Meet the blogger: Henrique Monteiro
Esta semana destacamos o Henrique Monteiro, cartoonista do SAPO e autor do HenriCartoon desde 2008. Na semana passada, numa iniciativa dedicada à liberdade de expressão, transformou todas as notícias na homepage do SAPO em cartoons. Rompemos com o nosso formato de cinco perguntas para questionarmos o Henrique sobre essa experiência e a sua perspetiva como cartoonista dos atentados em Paris no dia 7.
Nos teus cartoons, e no post que publicaste logo no dia 7, ficou claro como te sentiste próximo do que aconteceu em Paris, na redação do Charlie Hebdo. Como cartoonista, sentiste-te visado por aquele ato de terror?
Senti-me sobretudo visado como pessoa que não consegue sequer imaginar como seria a sua vida sem a liberdade em todas as suas formas.
Conhecias a publicação? Qual é a tua leitura do seu trabalho?
Eles têm um critério editorial que jamais seria o meu. No entanto não discuto e concordo que se deve criticar e satirizar o terrorismo que se justifica em nome de uma divindade. Isso envolve riscos, mas a liberdade envolve riscos. A liberdade de expressão deixaria de existir a partir do momento em que o medo a condicionasse. E isso seria mais devastador do que uma guerra.
O teu cartoon de dia 7 surge acompanhado de um texto teu, algo que é raro ver no Henricartoon. Foi a primeira vez que sentiste que um cartoon não bastava?
Na verdade foi a Ana Gomes que me pediu um desenho sobre o tema acompanhado por um pequeno texto e eu, como sabes, não nego nada à Ana. De resto, e como uma vez me disse o Júlio Isidro aqui há uns anos, expresso-me melhor com o desenho do que com as palavras (ainda hoje estou amuado com ele por causa disso)
O texto foi “à flor da pele”. Ainda estava um pouco aturdido pelo desenvolver dos acontecimentos. Quis sobretudo deixar explícito que a liberdade de expressão tem a importância do ar que respiramos.
No dia 12, fizeste o trabalho de uma mini-redação de cartoonistas, a desenhar, em tempo real, a atualidade nacional para a homepage do SAPO (página desse dia em arquivo). Como surgiu a ideia e o que achaste da experiência?
A ideia não foi minha, e tenho pena. Foi da equipa do SAPO. A Ana ligou-me com esse desafio e eu aceitei na hora. Confesso que gosto de desenhar sem rede. A primeira ideia que surgia para cada tema era a que ia para o papel (mesa gráfica, no meu caso). Correu tudo muito bem.
Quão cansativo foi desenhar assim tantos cartoons no mesmo dia? E que feedback recebeste, em relação à homepage e aos cartoons que foste fazendo ao longo da semana?
Cansativo foi, mas eu gosto muito da sensação que se tem a seguir a um longo e árduo dia de trabalho. É assim uma espécie de descanso do guerreiro. Um tipo sente-se um senhor com os frutos de um trabalho bem conseguido.
O feedback foi fantástico. Todos gostamos do resultado final, começando pelo próprio SAPO e estendendo-se aos frequentadores do portal. Foi um sucesso que, espero, se repita mais vezes, com novas e desafiadoras ideias.
A iniciativa de dia 12, que mensagem achas que passou para os visitantes da homepage do SAPO?
Acho que foi um bom contributo para consciencializar as pessoas de que o cartoon, e o humor em geral, é uma parte indispensável na nossa vida e que a graça é um aliado eficaz das coisas mais sérias. Serviu sobretudo para desmontar aquela máxima teimosamente enraizada e errada de que não se brinca com coisa sérias.
Como descobriste a tua vocação cartoonista?
Antes do SAPO eu ilustrava textos de jornais. Alguns mais sob a forma de cartoon do que outros. Foi com o Henricartoon que eu me experimentei na caricatura sem textos de outrem, e foi o cabo dos trabalhos. Refugiei-me, logo no primeiro cartoon, na figura do Alberto João Jardim, e com essa figura é difícil falhar. De desenho em desenho fui percebendo que não me dava mal com o formato. Foi no SAPO, portanto, que eu entrei neste maravilhoso mundo de escarnecer da malta toda.
Os teus alvos diários no Henricartoon são sobretudo figuras da atualidade (políticos e desportistas). Costumas receber feedback das pessoas visadas pelos teus cartoons?
Não. E não sei se é por não ligarem a cartoons se é por os acharem inofensivos. Em Portugal a caricatura política e desportiva não tem grande peso fraturante. Além do mais eu não costumo ser muito polémico. Tenho este ”defeito” de fazer mais cartoons consensuais sobre temas polémicos do que vice-versa.. Prefiro fazer rir do que fazer pensar. Não sou, portanto, um cartoonista na mais pura conceção da palavra.
Tirando a experiência de dia 12, é fácil encontrar todos os dias um tema para caricaturar? A nossa atualidade é especialmente dada a ser transformada em cartoon?
A internet inunda-nos de temas todos os dias. Isso, para mim, raramente é um problema. Encontram-se dezenas de temas só a abrir um site de informação. O desafio para um caricaturista, sobretudo numa democracia, é transformar o banal em piada. À falta de temas que atentem verdadeiramente à nossa dignidade (notícias como o massacre no Charlie Hebdo são, felizmente, coisa rara numa sociedade democrática) temos de apostar tudo no político que prevaricou ou no jogador que falhou o penálti.
Podes partilhar connosco a tua rotina diária no Henricartoon, desde a ideia para um cartoon até à sua publicação?
Não tem nada de romântico. Normalmente faço os desenhos pela madrugada fora. Não tenho rotinas muito vincadas. E como sou um procrastinador nato gosto de preguiçar em “zappings” à internet antes de me debruçar sobre os temas a caricaturar. Agora tudo isso está mais difícil de concretizar já que tenho um pequenito para mimar e isso leva-me uma boa dose de tempo.
Já tiveste algum caso de alguém que tenha ficado desagradado com um dos teus cartoons e tenha pedido para o removeres? Qual é, ou qual seria, a tua resposta numa situação dessas?
Tive agora há uns dias um engraçado. Uma senhora indignada enviou um mail à redação do SAPO a insurgir-se contra o “feíssimo rabo de mulher” no tag da Sociedade, no blogue Henricartoon. É fantástico como as pessoas se indignam com coisas que jamais imaginaria poder haver indignação.
De resto recebo bastantes comentários para remoção de cartoons, sobretudo os que abordam a religião e a homossexualidade.
Geralmente não respondo mas não censuro quem não goste ou ache abusivo um ou outro cartoon meu. A indignação também é um direito anexado à liberdade.
Obrigado, Henrique!